Maratona de Jerusalem por Henrique Almeida
“O mundo da corrida nos convida constantemente a promover desafios a nós mesmos e com essa máxima conseguimos extrair a melhor essência que possuímos, muitas vezes adormecida nas profundezas de nosso intimo.
Há 2 anos quando buscava uma qualidade de vida melhor e ingressava nos treinamentos de corrida, não imaginava as proporções naturais que essa idéia tomaria em tão pouco tempo.
Após passar 1 ano correndo provas de distâncias menores, senti que poderia ousar mais e treinar para uma meia maratona , e após uma longa conversa com meu treinador da época definimos a estratégia e o destino, e lá fui eu para Punta Del Leste no Uruguai vivenciar este momento.
Ok, tudo correu dentro do esperado e claro, a alma do corredor não se aquieta, nem mesmo havia desfeito as malas e eu começava a projetar a próxima, ainda sem destino definido, mas tinha comigo que, para abrilhantar e porque não dizer incrementar de vez a situação tinha que escolher um lugar exótico e diferente para correr uma nova meia-maratona.
Pois bem, somos de uma família bastante religiosa e eu tive o privilégio de ter sido criado sempre participando ativamente das atividades católicas da comunidade que vivíamos em minha infância e juventude e com o advento da internet e já imerso na idéia de me tornar um maratonista buscando os 21km como preparação e experiência, uma postagem me chamou a atenção: Experiência Maratona de Jerusalém!
Relutei por alguns instantes. A idéia me assombrava e vinha sempre aquela pergunta: seria possível adequar o orçamento e cruzar o mundo para correr uma meia maratona? Seria um lugar seguro e uma situação que agregasse como experiência de vida?
Pesquisei muito, troquei muita conversa com os envolvidos no Brasil, e assisti a vídeos desta maratona que estavam disponíveis na internet, e só aí pude perceber a magnitude do evento fomentado na cidade, com muita organização e seriedade e que levava o nome de uma das marcas mais respeitadas no meio do esporte, algo que por si já credenciava e me convencia.
Aperta daqui, pesquisa dali, consulta acolá, fechei meu pacote com meses de antecedência, agora era, treinar e segurar a “onda” da ansiedade.
Era constante acordar com a dúvida e sempre questionando: como será estar em Israel, mais precisamente em Jerusalém, berço das principais religiões monoteístas com forte ligação ao Cristianismo mas também uma região marcada por confrontos e que sempre produziam manchetes nos noticiários e eu estaria ali apenas com o intuito de me desafiar e correr? Ainda assim, meu eu não se intimidava, eu preparava e sonhava com o momento de por os pés neste lugar e mergulhar de vez neste sonho.
E enfim, chegou o grande dia. Mala pronta e pensada nos mínimo detalhes, enfrentaríamos horas de vôo até Madrid, nossa escala para chegarmos a Israel.
Foram pouco mais de 10 horas de vôo até chegarmos a uma gelada e ensolarada Madrid (fazia 3 graus no momento do desembarque), e ali mesmo após quase 8 horas embarcaríamos para Tel Aviv. Momento bacana, o aeroporto possui a real estrutura de um pais europeu, me distraí, me alimentei muito bem, informei a família o “status” da viagem e me pus a aguardar o momento do embarque. Em razão das situações de guerra que envolveram Israel em um passado recente, você começa a ser interpelado nos momentos que antecedem seu embarque, isso mesmo, toda pesquisa realizada por eles para que você entre no país aconteceu com muito critério ainda na Espanha e após isso nos liberam para embarcar, toda aquela desconfiança e fisionomias sisudas, davam lugar então a rostos sorridentes e felizes por irmos a Israel.
Viagem tranqüila, céu de brigadeiro e um excelente tratamento por parte dos tripulantes da empresa Israelense fizeram com que estas 5 horas de vôo passassem rápido e finalmente chegamos a Tel Aviv, no aeroporto Bem Gurion, cidade litorânea, muito bonita, uma verdadeira metrópole.
Nosso transfer nos aguardava com muita cordialidade e falando bom português, nos conduziu até o hotel em Jerusalem num trajeto de mais ou menos 1 hora e 20 minutos. Finalmente estávamos literalmente na Terra Santa.
A maratona iria acontecer em uma sexta-feira devido ao Shabat, pois o país guarda o sábado (uma espécie de domingo para nós) para que os rituais de adoração a Deus e visitação ao muro das lamentações confirmem a tradição dos locais. Já o domingo seria a segunda-feira deles, vida normal.
No dia seguinte nosso guia Mochet, também falando em português bastante arrastado mas muito claro, nos buscou no hotel para que pudéssemos conhecer alguns pontos de toda a história da ‘Bíblia viva” e também buscar os kits da corrida.
Começamos por sentir a emoção de conhecer o lugar onde Jesus nasceu, fomos até Belém e a cada passo e descrição do guia, a emoção mais pura nos tocava, estávamos ali passando por lugares que a história bíblica descreve e melhor, tocando paredes e respirando aquela atmosfera única. Adentramos lugares como a sala onde Jesus realizou a Santa Ceia, e reafirmou o compromisso do sacrifício pelo mundo, a Nova e Eterna aliança, o cheiro do incenso inundava nossos pulmões e sons subterrâneos de missas com cantos gregorianos nos guiavam pelos labirintos do lugar, uma espécie de gruta onde foi construída uma igreja para preservação do sitio histórico.
Entramos na van para retornar em um profundo silencio. Ninguém arriscava dissertar nada pois não conseguiria fazê-lo com a fidelidade que tudo aquilo se apresentou. De lá, cruzamos novamente a fronteira (sim porque Belém fica no Estado da Palestina) e de volta a Israel nos dirigimos para a via Dolorosa. Lá chegando as emoções se afloraram novamente, caminhar pelas vielas onde Jesus protagonizou todo o calvário, vivenciar as estações uma a uma e poder refazer os momentos que todos nós conhecíamos pelas escrituras sagradas, como por exemplo: local da entrega de Poncio Pilatos de Jesus ao povo, a via Dolorosa, o local de crucificação, o Santo Sepulcro e ainda o espaço onde o Filho de Deus ressuscitou e reapareceu. Tocar a pedra onde O deitaram afim de limpá-lo com óleos trazidos por José de Arimatéia para que o corpo fosse preparado para o sepultamento e visitar a rocha em Gólgota (em hebraico lugar da caveira) onde a cruz se fixou para a crucificação estão entre os pontos altos da visita.
A via Dolorosa é toda repleta de restaurantes que podem atender a todos os gostos gastronômicos e com seu jeito peculiar e único, judeus e mulçumanos conseguem receber muito bem os turistas e de um suco puro de romã até o famoso Falafel (comida típica do lugar) nos sentimentos a vontade entre eles.
E chega o dia da Maratona de Jerusalém.
Bem preparados e felizes amanhecemos com muito frio (perto de 6 graus). A ‘’vibe’’ era sensacional, um lugar lindo, muito bem otimizado, cheio de gente bonita, judeus com todo seu equipamento esportivo a postos para a largada ostentavam seus quipás (adorno na cabeça que simboliza a mão de Deus), haviam bandas, uma estrutura impar com guarda volumes e claro patrocinadores das marcas mais tops do mundo espalhados pelo evento.
Um grupo de 5 pessoas com pandeiros, atabaque, tamborim e surdo tocavam samba e ao som de um trompete, a Aquarela brasileira ecoava pelo recinto, todos vestidos com a camisa da seleção brasileira. Me aproximei. Ensaiei uns passos de samba perguntando a eles de que cidade no Brasil eles eram já que seria maravilhoso ouvir o sotaque tupiniquim em terras árabes, mas, pra minha surpresa eram todos Judeus Israelenses e em inglês me responderam que amavam o Brasil e me deram as boa vindas. Chorei.
Largamos. Como toda maratona que se preza já com 2 ou 3 quilômetros as pessoas começavam a dispensar educadamente os agasalhos que as protegiam do frio e vento intensos e depositavam cuidadosamente nas calçadas para que fossem recolhidos pela organização e destinados aos mais carentes, ruas com construções antigas se misturavam com o novo e moderno momento de Jerusalem, uma cidade limpa, linda, e toda em tom pastel, típica das pedras do país, (lá existe uma lei centenária que proíbe qualquer construção que não seja nessa cor).
Eu estava radiante, feliz por estar ali.
Judeus pequeninos ainda de pijamas ficavam com os pais nas calçadas com as mãozinhas estendidas para que ao passar nós os tocássemos, eu o fiz por várias vezes. Outros se vestiam de personagens locais, com perucas e divertiam o povo que assistia. Em determinado momento saquei o celular do bolso e fiz uma “selfie” com um deles, ele me agradeceu e perguntou em inglês de onde eu vinha (talvez minha fisionomia me denunciara) e ao responder que era brasileiro ganhei um grito de felicidade seguido de um beijo.
Continuei a correr e chorei novamente.
Momento de arrepios quando a maratona adentra a Jerusalem velha, a cidade onde Jesus andou junto a seus discípulos, onde abriga a tumba do Rei David e o Muros das Lamentações, se transformava palco de intrépidos corredores felizes e endorfinados, alguns deles incrédulos (eu era um desses) de estar ali realizando tal feito, mais e mais pessoas pelo caminho nos saudavam em hebraico. Bandas, DJs, e em uma sacada de um sobrado, dois jovens vestidos com as vestimentas tradicionais e também de quipás, dançavam freneticamente ao som de Daniela Mercury, e com um microfone estridente gritavam em inglês: Welcome friends, this is Jerusalem!
O percurso ainda passou por bosques, jardins maravilhosos, bairros tradicionalistas e por todo o trajeto da Maratona de Jerusalém era possível perceber o grande aparato de segurança, caminhões carregados de pedras bloqueavam as ruas que atravessavam onde estávamos correndo, e soldados fortemente armados por todo trajeto arriscavam ainda um sorriso quando felizes muitos de nós mexemos com eles e agradecíamos pelo momento. Pessoas com roupas coloridas e bem maquiadas se equilibravam em pernas de pau no trajeto cantando e dançando ao som dos hits europeus do momento. Me propus a fazer a Meia Maratona de Jerusalém, 21km, e confesso que quando avistei a placa do km 20 tive vontade de voltar correndo para vivenciar mais um pouco tudo aquilo, mas segui feliz até o pórtico de chegada com celular em mãos e gravando um vídeo que mais tarde seria transmitido ao Brasil para que família e amigos pudessem sentir o que eu havia sentido naquele lugar.
Fui recepcionada por uma linda ruiva israelense que me colocou a medalha e com um sorriso tímido me parabenizou pelo feito. Recebi frutas, isotônicos, água e me dirigi para a famosa “zona mista” e lá novamente me encontrei com o grupo de israelenses tocando samba e completamente emocionado e envolvido dançamos e sambamos, sim estávamos neste momento em um grupo de brasileiros pequeno mas o suficiente para que atraíssemos os olhares curiosos e felizes de israelenses e outros estrangeiros, afinal éramos brasileiros ostentando nossa marca, samba e felicidade gratuita.
De medalha no peito saímos do local próximo do meio dia, cantando, ostentando nossas imagens uns com os outros contidas em nossos aparelhos celulares, esbanjando saúde na alma e felizes porque ainda tínhamos mais 2 dias pela frente para conhecermos outros lugares como o Mar Morto (pudemos nos banhar lá), o Jardim das Oliveiras, o Vale da Morte (onde Judas se suicidou), a fortaleza de Massada lugar no meio do deserto da Judeia que guarda um precioso sitio arqueológico dos palácios de Herodes, a cidade mais velha do mundo, Jericó que guarda momentos importantes da época em que Deus falou com aquele povo e lá estivemos aos pés da Montanha da Tentação, onde Jesus ficou recluso por 40 noites e 40 dias e foi tentado (sem sucesso) por Satanás.
Comemos tâmaras frescas, confraternizamos com palestinos e beduínos e após isso estivemos no Rio Jordão onde João Batista batizou Jesus, local de uma energia incrível, de uma paz gigantesca mesmo estando na presença de milhares de pessoas, todas resilientes, em oração, incorporavam o lugar a sua vida e intimidade, sotaques se misturavam, uma linda música embalava a visita tocada ao vivo por um casal com maravilhosas vozes. Aquele momento era pra sempre. Ali, Deus esteve, ali o Espirito Santo havia se apresentado em um dos momentos mais lindos descritos no livro sagrado.
Chorei muito dessa vez, de agradecimento.
Para que eu pudesse descrever o tamanho desta viagem e desta aventura ímpar, eu poderia elaborar um livro e fugiria completamente do propósito de relatar rapidamente o que vivenciei por lá, mas eu tentei.
Trouxe de lá em minha bagagem um novo homem, um novo atleta, novos e presentes amigos que já pude reencontrar no Brasil e transformar cada linha que escrevi aqui em um filme real pra mim mesmo, para que eu possa sempre me lembrar que com muito respeito, amor, força e fé, pois eu pisei na Terra Santa.
Corra e seja feliz. Eu não consigo transmitir a felicidade de ter vivido tudo isso, e com humildade extrema, agradeço a Deus o chamado e a oportunidade.
Beijos no coração de todos.