El Cruce Columbia por Paty Mafra
“Naquele momento eu ainda não tinha noção do real desafio que estava me propondo, nem da experiência e beleza que iria vivenciar no final do ano seguinte. Seria uma das coisas mais incríveis que viveria na vida!
Eu resolvi ir para o El Cruce por impulso… Um belo dia recebi um convite da Wellness Running (assessoria esportiva a qual faço parte), era uma imagem falando de uma ultra na Patagônia. Bati o olho rapidamente, e vi que passava por vulcões. Os olhos brilharam, topei de imediato (pensando: “deve ser revezamento né!”). Bora! Viajar e correr, combinação perfeita.
Grupo do whatsapp bombando, mas com a correria do dia a dia, não consegui acompanhar tudo que se passava por lá. Então chegou o momento de pagar a primeira parcela da inscrição (ago/17), aí resolvi me inteirar do assunto e dos detalhes; foi então que “descobri” que não era revezamento, todos correriam os 100k (rindo aqui lembrando da ocasião rs).
Eu, corredora amadora de asfalto, nunca tinha feito uma maratona nem participado de corridas de montanha, condromalacia nos dois joelhos e 33k (fazendo uma conta simples) em 3 dias sequencias me aguardavam… Vou, não vou? Vou, não vou? Um ano pra treinar… vou!
Naquele momento eu ainda não tinha noção do real desafio que estava me propondo, nem da experiência e beleza que iria vivenciar no final do ano seguinte. Seria uma das coisas mais incríveis que viveria na vida!
De dez/17 a dez/18 vivi para o El Cruce: treinos de corrida, fortalecimento, fisioterapia e acupuntura. Tudo feito para que lá fosse só diversão.
E lá fomos nós….
Sempre digo que o El Cruce é uma experiência, a corrida propriamente dita é uma parte dela. Tudo começa na preparação e entrega da mala que vai para o acampamento, que ocorre na véspera do primeiro dia de prova (essa mala será transportada pela organização durante os 3 dias e, no final, entregue pra nós no Hotel Grand Pucón, local da chegada). Com exceção do que levaremos na mochila de hidratação (que vai nas costas durante toda a corrida), tudo que precisamos e desejamos usar durante esses dias precisa estar nela (tudo!). Saco de dormir, isolante térmico, roupas extras e acessórios para correr e pós corrida, tênis reserva, kit primeiros socorros, alimentos e suplementos, talheres, máquina fotográfica, baterias portáteis, toalha, lenço umedecido e por aí vai…
Na mochila, vai os itens obrigatórios (bolsa de água de no mínimo 1L, manta de sobrevivência, polar, etc.), mais comida e suplementação para o percurso (isso é muito de pessoa para pessoa, vai de acordo com a necessidade de cada um).
Dia 8/12 – chegou o grande dia…
Madrugada, todos no ponto de encontro. Uma vistoria rápida nas mochilas e aos poucos os ônibus iam levando todos para a local da largada. Lá, um homem tocava violino (demais) e ao fundo, um balão enorme do El Cruce. De 5 em 5 éramos levados ao pórtico de largada para a foto oficial e dali, play!
Bora pra diversão…
passamos por terrenos diversos, terra batida, trilha, mata fechada. Sobe, sobe, sobe… aos poucos o frio foi aumentando e, de repente, o topo da montanha… o mundo das Cordilheira dos Andes era nosso.
Os helicópteros do El Cruce nos davam as boas vindas, voando baixo, fotografando e filmando todos do alto. À minha frente, a neve (eu parecia uma criança vendo aquela coisa branquinha pela primeira vez) e aquela imensidão de montanhas. Que vista incrível!
Nesse dia foi tudo novidade, foi quando realmente entendemos o que era o El Cruce, as dificuldades do percurso (nunca passei tanto frio na vida, achei que meus dedos da mão fossem realmente congelar), como era a sinalização (impecável!), o que encontraríamos no Oásis (pontos de apoio durante a prova com água, isotônico, frutas e nuts) e o que de fato precisaríamos levar conosco nos próximos dias.
Depois de horas de corrida, finalmente o tão esperado acampamento do El Cruce. Eu via fotos e comentários, mas ficava imaginando como era viver aquilo, até porque nunca acampei na vida nesse formato tradicional, com barraca. Ao chegar, temos que pegar nossa mala e eles nos informam qual o número da nossa barraca (que por padrão é dividida entre duas pessoas, mas quem quiser, pode pagar a mais por ter uma individual) e, se quisermos, uma pessoa nos ajuda a levar a mala até lá.
Aí começa a brincadeira de arrumar a “casinha”: infla o isolante térmico e posiciona o saco de dormir. Estica os varais do lado de fora da barraca e pendura tudo que estiver suado e molhado (as barracas tinham cordas do lado de fora que usávamos para pendurar tudo), organiza a roupa e a mochila pro próximo dia. Agora banho…. esse é um capítulo à parte e mais um momento de destaque dessa experiência.
No acampamento não tem chuveiro, só banheiro químico (que a propósito fiquei impressionada com a limpeza no primeiro dia. A cada pessoa que usava, ia uma pessoa da organização limpar. Não foi assim todo tempo, mas existia um esforço em mantê-los o mais limpo possível). Só dá pra tomar banho no lago, que é congelante (no segundo dia o Paulo mediu a temperatura, acho que deu 10 ou 11 graus). Ou seja, conto nos dedos quantas pessoas vi entrar de corpo inteiro lá, e apenas uma chegou a se ensaboar (detalhe: é obrigatório usar produtos biodegradáveis).
A maioria, como eu, ia para o lago fazer crioterapia. Então ficava aquela fila de pessoas na borda, com a água até o início da coxa (no máximo) se concentrando pra conseguir aguentar aquele gelo por alguns minutos. Era punk, faltava o ar kkkkk, mas foi ótimo pra recuperação muscular.
Então, mas e o banho?…
Lenço umedecido! É isso mesmo. O negócio era tirar a roupa (tenta imaginar isso na barraca ou banheiro químico) e se “lavar” com aquilo kkkkkk (essa parte a gente não treinou antes rs, mas já sabíamos que era o mais provável de acontecer tendo em vista a água “quentinha” que nos esperava).
Barraca arrumada e banho tomado, é hora de comer. A alimentação oferecida pela
organização é farta, mas não sortida. Eles oferecem as principais refeições (café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar) e as opções são as básicas e necessárias para
restabelecermos as energias considerando o desgaste físico da prova (pão com manteiga e doce de leite, macarrão, carne e frango foi o que mais comi lá).
O clima do acampamento é demais! Pessoas de diversos países trocando experiências, felizes e sorrindo apesar de todo o cansaço e perrengue. Uma energia ótima, nada abala ninguém. Rolou final da Libertadores, música e diversão pra descontrair um pouco a galera.
E assim seguimos por mais dois dias.
A cada km uma descoberta, uma paisagem mais linda que a outra. Passei por lugares que nunca imaginei estar e tive a vista que poucos terão. Montanhas, trilhas, estrada, terra, picos nevados, lagos, áreas rochosas e vulcões (foram dois, Quetrupillán e Villarrica). Vi o rastro da lava e a força que ela tem, mas vi também kms de flores lindas à sua margem. Mais uma vez a natureza se encarregando de trazer o equilíbrio.
E por fim, a chegada – Pra mim, o 1º dia do Cruce foi de descoberta, o 2º de libertação (desci montanhas e trilhas como a muito tempo não me permitia com medo de lesionar o joelho) e o 3º de reflexão e concretização.
Corri o 3º e último dia por muito tempo sozinha. Degustando tudo aqui à minha volta. Refleti muito sobre tudo que tinha passado naquele último ano, sobre os sacrifícios, os aprendizados e sobre como sou abençoada por poder viver tudo aquilo.
O último km foi na praia – areia fofa vulcânica (realiza). E na primeira pisada nela já dava pra avistar o Hotel Grand Pucón. Juntei as últimas forças e fui…
Eu queria filmar, fotografar, registrar aquele momento de todas as formas possíveis, mas não consegui… nos últimos metros comecei a chorar que nem criança, soluçava (até consegui tirar câmera do bolso e ligar, mas a emoção já tinha tomado conta e nada saiu). Passei pelo pórtico lavando a alma com o suor do corpo, da lágrima e com um grito que estava travado na garganta desde o primeiro dia de treino, a 1 ano atrás.
Consegui, sou ultramaratonista! Foi absolutamente incrível!
Ahhh, a medalha é linda! Mas mais do que isso, não é uma medalha qualquer, é a minha, tem meu nome gravado atrás.